sábado, 16 de janeiro de 2010

Nem natureza nem cultura

Foram significativamente alterados, aliás, todos os limites entre natureza e cultura. Hoje, o homem pode alterar completamente o meio ambiente. Pode transformar desertos em oásis, ou desertificar áreas férteis (como na Amazônia), dessalinizar a água dos oceanos ou inundá-las com petróleo e detritos orgânicos, enviar artefatos à Lua e aos mais distantes planetas. remover ou erguer montanhas, construir túneis imensos (como aquele que une a França à Grã-Bretanha sob o canal da Mancha), acelerar ou brecar elétrons em torno do núcleo atômico, transformar energia nuclear em eletricidade ou reduzir civilizações a um escombro radiativo (como em Hiroxima e Nagasáqui) e tantas outras coisas.

Já nos acostumamos a acreditar que a ciência pode tudo. Por exemplo: ninguém diz que é impossível curar a Aids, mas sim que sua cura ainda não foi encontrada. A cultura - aqui entendida como a natureza, capturou-a e a transforma premanentemente, como se fosse uma massa de argila nas mãos de um escultor. freqüentemente, alimentamos a ilusão onipotente e infantil de que o homem finalmente dominou a natureza. Mesmo quando nos deparamos com nossa impotência em face de um simples ciclone, de tremores de terra ou de grandes inundações, gostamos de pensar que um dia poderemos dominar qualquer fenômeno sobre a face do planeta.

" O mistério é a coisa mais formosa que nos é dado experimentar. É a sensação fundamental, o berço da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Quem não o conhece, quam não pode assombrar-se ou maravilhar-se está morto. Seus olhos foram fechados."
(Einstein, Albert. Mi visión del mundo. Barcelona, Tusquets, 1981. p. 12)

Uma das conseqüências mais graves disso, do ponto de vista da relação do homem com o mundo, é o desencanto em face da natureza, cujos mistérios e enigmas eram antes celebrados com reverência e respeito. É como se nada mais restasse fora do alcance dos laboratórios, das estatísticas, dos cálculos. Como se tudo que a natureza oferece pudesse ser equacionado, dissecado, explicado e em seguida abandonado como algo já conhecido, já sentido e ultrapassado. Não paramos mais para comtemplar o mundo que nos rodeia. Mesmo quando olhamos com espanto para a lua cheia numa noite de verão, já sabemos que o homem pisou sua superfície, que ali não há deuses nem magia. Como disse Einstein, nossos olhos foram fechados para os mistérios do mundo.

O auge do relativismo

Uma das características mais marcantes da nossa época é o relativismo de todos os conceitos e noções políticas, culturais, éticas e estéticas. Não há mais qualquer noção de "bem" ou "mal", de "certo" ou "errado", de "belo" ou "feio" que seja aceita sem contestações por uma parte significativa de uma nação ou de uma sociedade. O "tudo é relativo" de Albert Einstein transformou-se na síntese, no emblema mais característico de nossos dias.

É claro que tudo foi sempre relativo. Porém, mais do que em qualquer outra fase da história, todas as certezas são hoje colocadas em questão no instante mesmo em que são enunciadas. Se em épocas anteriores eram necessários longos e dolorosos processos para que os homens abandonassem suas crenças, seus princípios morais e sua fé, hoje questiona-se o próprio sentido de se adotar ou defender qualquer sistema de valores. Tudo parece muito ligeiro, frágil, provisório e precário. "Tudo o que é sólido se desmancha no ar", disse o escritor americano Marshall Berman, da peça Tempestade, de William Shakespeare. Esta é uma descrição exata de nossos tempos.

Até mesmo as identidades sexuais e biológicas tradicionalmente aceitas foram colocadas em quetão. Entre o típico heterossexual masculino e feminino, Adão e Eva, há hoje uma quase infinidade de tipos - do bissexual ao assexuado, passando por travestis, homossexuais andróginos, transssexuais, drag queens, etc. A engenharia genética, de sua parte, poderá tornar possível a multiplicação de clones humanos, isto é, a fabricação em série de indivíduos idênticos. Com isso, a ciência poderá eliminar definitivamente a noção de transmissão hereditária natural de genes após geração.